Homicídios cresceram no Rio e na Bahia durante governo Lula e reação é insuficiente
Por Giulianno Cartaxo, especial para a Gazeta do Povo
16/10/2023 17:43
A volta do crescimento no número de assassinatos no Rio de Janeiro e na Bahia coincide com os oito primeiros meses de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar de a segurança pública ser uma responsabilidade formal dos Estados, o governo federal tem lançado planos para tentar conter a criminalidade. As medidas estão sendo vistas como insuficientes e eleitoreiras por integrantes da oposição e analistas de segurança pública.
As duas principais linhas de ação da União para combater a violência no país são o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc), anunciado no início do mês pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, e a possível recriação do Ministério da Segurança Pública (que hoje faz parte do Ministério da Justiça).
O número de homicídios no Rio e na Bahia vinha caindo durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas voltaram a subir desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência.
No Rio, os homicídios dolosos caíram 6% entre 2021 (3.253 casos) e 2022 (3.059). Mas, nos oito primeiros meses de 2023, houve uma alta de quase 10% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio.
Além do aumento no número de homicídios, a sensação de insegurança também cresceu. As causas foram a descoberta de uma espécie de centro de treinamento em guerrilha do crime organizado na favela da Maré e a chacina de três médicos em um quiosque na praia da Barra da Tijuca neste mês.
Na Bahia, o número de assassinatos caiu 10% entre 2021 e 2022, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Mas, nos oito primeiros meses deste ano houve uma alta de 2,5%, atingindo 3.260, neste ano, segundo a Secretaria de Segurança Pública da Bahia.
O secretário da pasta no Estado, Marcelo Werner, disse que a alta na violência resulta de uma disputa de facções criminosas rivais. Ele disse que os grupos querem implementar uma ‘política de terror’ na Bahia.
Os governos estaduais são responsáveis pelos trabalhos das polícias militar e civil. Mas o governo federal pode direcionar verbas, criar políticas públicas e presídios federais e é o responsável pela Polícia Federal e pela segurança nas fronteiras. Além disso, o posicionamento político dos governos influencia de forma indireta no comportamento dos criminosos, apontam analistas.
O deputado federal General Girão (PL-RN) disse acreditar que a violência está crescendo no governo Lula por causa de uma mistura de sensação de impunidade e postura das autoridades federais.
‘Você tem, por exemplo, a figura do atual ministro da Justiça e Segurança Pública fazendo pacto de não agressão com criminosos’, disse Girão se referindo à visita de Dino no começo do ano à favela da Maré. Ele também mencionou uma ida do presidente Lula durante a campanha a favelas do Rio.
Girão disse acreditar que Dino teve autorização do crime organizado para entrar na região. ‘Autorização dos mesmos criminosos que, recentemente, foram descobertos pela polícia com uma central de treinamento de guerrilha dentro da comunidade. É um absurdo isso daí’, disse.
Flávio Dino negou que tenha tido contato com o crime organizado ao entrar na favela da Maré em março deste ano. Ele disse que foi participar em um evento em uma organização não governamental. Mas sua entrada no complexo de favelas ocorreu sem o aparato de segurança normalmente utilizado quando autoridades públicas precisam entrar na região.
Índices de homicídios voltaram a crescer nos oitro primeiros meses do governo Lula no Rio e na Bahia.| Foto: EFE
Governo cogita ministério, mas prevê cortes na verba de segurança
Uma das alternativas para tentar frear essa onda de violência e os possíveis impactos negativos das estatísticas criminais nas eleições municipais de 2024 é a recriação do Ministério da Segurança Pública, hoje incorporado ao da Justiça, sob o comando de Dino.
Essa possibilidade cresce entre aliados do presidente Lula e, caso aconteça, a ideia é de que a pasta fique sob o comando do PT, que ainda não teria um nome de consenso para ocupar o cargo.
O deputado Kim Kataguiri (União-SP) avalia que a medida seria puramente eleitoreira e não fortaleceria em nada a segurança pública. ‘Do que adianta você criar um ministério novo se o próprio governo anunciou um corte de R$ 708 milhões só no combate ao crime organizado?’, questionou.
‘Você está criando um ministério já aleijado, um ministério sem orçamento adequado, considerando que o recurso que já temos hoje é muito aquém do necessário e, para piorar, muito mal administrado pelo atual governo. Todos os indicadores de violência aumentaram desde que o atual governo assumiu’, disse.
Segundo ele, a medida poderia ser considerada eleitoreira por dar a entender que o governo estaria preocupado com o aumento da violência no país para ter bons resultados nas eleições do ano que vem. Nas últimas eleições municipais, realizadas em 2020, o PT venceu em 179 cidades. Foram 451 prefeitos a menos que os eleitos pelo partido em 2012, por exemplo, ainda durante o primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff.
O presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública da Câmara dos Deputados, deputado Alberto Fraga (PL-DF), é a favor da criação de um ministério específico para tratar do tema. Contudo, ele defende que seja aproveitada a estrutura que já existe na Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), hoje vinculada ao Ministério da Justiça.
‘Lá já tem inteligência que monitora as facções, lá já tem um corpo técnico altamente especializado e treinado justamente para essa guerra que vivemos no Brasil. Mas, acho muito difícil isso acontecer’, argumentou.
Em seu terceiro mandato, Lula já bateu o recorde de ministérios em relação a seus governos anteriores, chegando a 38 pastas. O número só não é maior do que o do segundo governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que teve 39 ministros.
Governo Bolsonaro isolou lideranças de facções e foi contra desencarceramento
Leonardo Sant’Anna, especialista em segurança pública e coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal, explica que a tendência é de a onda de violência continuar aumentando e se espalhar por todo o país. Segundo ele, falta uma política clara de segurança pública.
‘O Brasil vinha em uma crescente de violência a partir de 2012, quando saltamos de 48 mil mortes violentas para mais de 57 mil, chegando a 60 mil mortes em 2017, um reflexo da sensação de impunidade que tomava conta do país. A partir de 2018, com o governo dando mais apoio às forças policiais e o Estado se fazendo mais presente em áreas consideradas críticas, era claro que entraríamos em uma tendência de queda’, explicou.
Entre as medidas adotadas pelo governo Bolsonaro estavam o isolamento, de fato, das lideranças das facções criminosas em presídios federais de segurança máxima e a facilitação para que cidadãos pudessem ter acesso a armas de fogo para defesa pessoal. O governo também fez campanha contra a política de desencarceramento e saídas temporárias de presos de unidades prisionais, hoje promovidas em larga escala pelo Conselho Nacional de Justiça.
O deputado General Girão também chamou a atenção para o aumento da violência no campo, dando como exemplo a retomada das invasões de terras produtivas por parte de grupos ligados aos movimentos dos trabalhadores sem-terra. Segundo ele, as ações contam com o apoio direto de atores do Executivo Federal.
‘Estou muito pessimista com o futuro do nosso país. Eles estão querendo criar uma universidade do Movimento Sem Terra. O MST faz agressão a quem vive do campo. Eles querem tumultuar o agro, que é o item número um da nossa economia. Meu prognóstico para o futuro do Brasil é péssimo. Se nós não provocarmos essa mudança aqui pela Câmara, pelo Senado, chamando para responder administrativamente ministros do STF, ministros de tribunais superiores, ministros do Executivo, essa situação pode se tornar insustentável’, completou.
Dados apresentados na CPI do MST da Câmara dos Deputados apontam que o número de invasões promovidas pelo MST, só nos oito primeiros meses do governo Lula, já superou os quatro anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Entre 2019 e 2022, foram registradas 62 invasões, contra 63 até agosto deste ano.
A comissão parlamentar foi encerrada no início de outubro, após mais de dez meses de trabalhos, sem a votação do relatório final, depois de articulação da base governista, que apresentou textos paralelos e boicotou o parecer do relator, deputado Ricardo Sales (PL-SP). Ele pedia o indiciamento de 11 pessoas, entre elas, assessores do deputado Valmir Assunção (PT-BA), acusados de participação em diversos crimes no sul da Bahia.
No relatório final, Salles também destacou 25 projetos em andamento no Congresso que, segundo ele, deveriam ser votados com urgência para garantir segurança jurídica ao campo.
Novo programa de enfrentamento ao crime é “paliativo ineficaz”, avaliam especialistas
O texto que apresenta o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc) tem pouco mais de 80 páginas e não explica praticamente nada sobre como vai funcionar na prática o conjunto de ações que é a aposta do Governo Federal para tentar frear a crescente onda de violência promovida pelo crime organizado.
Entre os poucos detalhes anunciados pelo ministro Flávio Dino, está o repasse gradativo de R$ 900 milhões, ao longo de três anos, para que os estados possam investir em segurança pública. A maior parte da verba irá para o Rio de Janeiro e Bahia (R$ 247 milhões e R$ 168 milhões respectivamente), além do reforço de mais de 700 agentes da Força Nacional.
O valor do repasse foi criticado por especialistas, que consideraram a quantia um ‘paliativo inútil’. O sociólogo Luís Flávio Sapori, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), destaca que só disponibilizar recursos não é suficiente.
‘Não basta ter dinheiro disponível se você não tem equipes técnicas competentes para fazer os processos burocráticos necessários para o gasto desse dinheiro’, disse o professor.
Sapori também considera insuficiente o efetivo da Força Nacional prometido por Dino aos estados. Além disso, a Força Nacional tem atuação limitada nos locais em que é convocada, não sendo autorizada, por exemplo, a subir favelas, tendo que concentrar suas ações no patrulhamento de vias urbanas e regiões centrais das cidades.
Fonte: www.gazetadopovo.com.br