Por que 46 das 88 organizações criminosas brasileiras estão no Nordeste

Por que 46 das 88 organizações criminosas brasileiras estão no Nordeste

 

Por Juliet Manfrin

 

07/04/2025 às 21:25

 

Organizações criminosas avançam pelo Brasil e Nordeste tem atuação de 46 das 88 Orcrims brasileiras (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)

 

“Isso não é uma exclusividade do Nordeste, mas a região sofre com a falta de estrutura policial em algumas áreas estratégicas, com baixo efetivo de policiamento em regiões periféricas e no interior esse contingente pode ser insuficiente para combater a expansão dos grupos criminosos. As políticas de governo falham”, reforça.

 

Para o sociólogo Marcelo Almeida, especialista em Segurança Pública, a região também aparece como preferida de organizações, e neste caso das maiores, porque tem uma rota facilitada para o tráfico internacional, seja pelo tráfego aéreo – com voos diretos para outros países –, ou pelas saídas para o mar a partir dos portos. Boa parte da cocaína traficada do Brasil e outros continentes sai camuflada em meio a cargas licitas em navios cargueiros.

 

A Gazeta do Povo tentou ouvir o Consórcio Nordeste, composto pelos nove governadores, mas eles não responderam aos questionamentos.

 

Já o Ministério da Justiça e Segurança Pública diz que uma série de medidas vem sendo adotada para o enfrentamento às organizações criminosas pelo país e que uma das apostas é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública. Os governadores do Nordeste apoiam a PEC, enquanto os do Sul e Sudeste se mostram resistentes pelo conteúdo do texto que tem sido proposto. Esses consideram que a PEC vai tirar a autonomia dos estados na área da segurança, dará poderes absolutos à União e ainda deve deixar essa conta para os governadores.

 

Organizações criminosas avançam pelo Brasil

 

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Para Márcio Berti, há ainda outro aspecto que se deve considerar quando se fala em avanço do crime organizado no Nordeste: o endurecimento de regras de execuções penais com presídios e penitenciárias mais equipadas nos estados do Sul e Sudeste, e ainda parte dos líderes das facções como PCC e CV presos. Essas questões também estimulariam criminosos a buscar a interiorização de suas ações.

 

“Como muitas ações focaram as organizações criminosas presentes no Sul e Sudeste, com prisões de grandes líderes, isolando-os nos presídios federais, uma das alternativas encontradas pelos grupos criminosos maiores também foi expandir operação em estados e regiões nas quais esse sistema está mais precário ou ainda deficitário, como no Nordeste”, explica.

 

O Ministério da Justiça e Segurança Pública indica que PCC e o Comando Vermelho expandiram suas operações para o Nordeste e tomam conta do país. Além disso, facções locais emergiram em resposta a essa expansão. Entre os exemplos estaria o Ceará, onde a facção Guardiões do Estado (GDE), originária de Fortaleza, disputa território com o CV e o PCC. No Rio Grande do Norte, o Sindicato do Crime (SDC) surgiu como uma dissidência do PCC e é uma das principais facções no estado, em conflito com o PCC e o CV. ​

 

Em Pernambuco, organizações criminosas como Okaida e Estados Unidos têm atuação significativa, além da presença do PCC. Mas é no estado da Bahia onde está o maior número delas: 21, segundo o mapa das Orcrims.

 

GUERRA - Ação no bairro Valéria, na cidade de Salvador: força policial de lá é hoje a mais letal do país

 

Outro fator que contribui para a expansão do crime no Nordeste é a expansão geográfica das facções nacionais e de grupos como o PCC e o CV, originários do Sudeste, São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente. Eles estão ampliando suas operações para outras regiões com o objetivo de controlar novas rotas de tráfico e mercados consumidores. Somado a isso, está a disputa por rotas de tráfico e uma dinâmica que os maiores grupos criminosos do Brasil vêm explorando muito bem: o domínio do tráfico pelos mares e por rotas aéreas.

 

“Por mais que tenhamos como referência do tráfico os Portos de Santos e de Paranaguá, isso avança muito pela região Nordeste, que é estratégica para o escoamento de drogas, tanto para o mercado interno quanto para o exterior. Isso se dá pela sua localização geográfica e aos portos existentes ali. Os estados têm saída para o mar e portos importantes em operação, como o de Suapé, em Pernambuco”, reforça o especialista em Direito Marítimo Wilson Carneiro. ​

 

Para procurador-jurídico da Anacrim, Márcio Berti, pode-se considerar ainda uma condição político-institucional com alianças e coações locais. “Há no Nordeste uma presença mais pulverizada de facções, que criam alianças ou enfrentamentos regionais mais intensos do que em outras regiões”, afirma. O MJSP, inclusive, menciona no documento a existência de inimigos e aliados em cada estado, o que eleva o grau de enfrentamento.

 

Berti explica também que, em alguns contextos locais, grupos armados acabam por substituir o próprio Estado em funções básicas, como cobrança de dívidas, resolução de conflitos e segurança comunitária, o que amplia seu domínio simbólico e real sobre o território.

 

Distribuição das organizações criminosas em atuação no Brasil por região

 

Nordeste: 46 facções, com destaque para a Bahia, que possui 21 grupos.

 

Sul: 24 facções, sendo 10 no Rio Grande do Sul.

 

Sudeste: 18 facções, com Minas Gerais registrando 11 grupos.

 

Norte: 14 facções.

 

Centro-Oeste: 10 facções.

 

Entre as organizações de maior abrangência nacional estão:

 

Primeiro Comando da Capital (PCC): atua em 24 estados e no Distrito Federal, exceto no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

 

Comando Vermelho (CV): presente nos mesmos estados que o PCC, exceto em São Paulo e Rio Grande do Sul.

 

O estudo classifica as facções em quatro estágios de desenvolvimento e atuação:

 

Iniciais: grupos em formação, com atuação limitada.

 

Locais: organizações atuantes apenas em seus estados de origem.

 

Regionais: facções com influência em estados vizinhos.

 

Nacionais: grupos com presença em múltiplas regiões do país.

 

Das 88 facções identificadas, 72 atuam localmente, 14 têm abrangência regional e 2 possuem influência nacional e internacional, o PCC e o Comando Vermelho.

 

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Deputado do Nordeste propõe equiparar organizações criminosas ao terrorismo: “risco de narcoestado”

 

O deputado federal Danilo Forte (União Brasil-CE) anunciou em março que apresentará um projeto de lei para classificar a atuação de facções criminosas como terrorismo. Ele, que é representante de um estado do Nordeste – região em que 46 facções exercem influência sobre comunidades e territórios -, defende que o Brasil está “muito próximo de se tornar um narcoestado”.

 

A proposta amplia a definição de terrorismo para incluir atos que tenham razões políticas ou que imponham domínio territorial. Além disso, ataques a infraestruturas críticas, como portos, aeroportos, redes de energia, hospitais e escolas, também passarão a ser considerados atos terroristas. No mês passado, um projeto de lei avançou no Senado para tornar o domínio de cidades e o novo cangaço como crimes hediondos.

 

O projeto do deputado cearense prevê punição para ações como:

 

Impedimento de funcionamento de serviços essenciais, como luz, água e internet;

 

Bloqueio de acesso de funcionários a comunidades dominadas pelo crime;

 

Cobrança ilegal por serviços básicos, como ocorre em áreas controladas por milícias.

 

Segundo Danilo Forte, facções criminosas já dominam regiões inteiras, influenciam eleições, controlam o comércio e limitam a circulação da população. “Eles decidem quem entra e sai, impõem taxas e interferem diretamente na economia e na segurança pública”, declarou.

 

Entre as estratégias de combate, o governo federal afirmou que trabalhava na elaboração de um plano estratégico para combater o domínio territorial imposto por essas organizações criminosas e milícias em todo o país, com especial atenção com alguns estados onde elas estariam mais presentes.

 

Para isso, havia anunciado quatro etapas do programa – indo desde o diagnóstico da força criminosa dominante na região, operações policiais para prender criminosos, ações sociais para reduzir a influência das facções e medidas de inteligência para monitorar atividades criminosas.

 

O ministro Ricardo Lewandowski e o governo Lula (PT) também apostam na articulação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública.

 

“Tudo o que está previsto na PEC já está previsto em lei, não precisaria de uma PEC para tirar do papel. Basta ação, recursos para a segurança e vontade política para fazer. Essa PEC enfrentará fortes pressões e, a depender de alguns estados e regiões, enfrentará muita resistência”, alerta o advogado Alex Erno Breunig, especialista em Segurança Pública.

 

 

 

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