Grupo que recebeu R$ 2 milhões do governo lança livro com defesa de regulação rígida das redes
Por Gabriel Sestrem
18/09/2025 às 22:03
Rose Marie Santini, coordenadora do NetLab. Grupo de pesquisa da UFRJ é criticado por alinhamento a pautas de esquerda (Foto: Reprodução/Instagram/NetLab Oficial)
Um laboratório de pesquisa que funciona dentro da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), considerado estratégico pelo governo Lula, acaba de publicar um livro sobre “os impactos da indústria da desinformação nos consumidores brasileiros”.
Em claro alinhamento ao governo, o livro traz uma série de críticas às big techs e seus modelos de negócio e defende uma regulamentação contundente das redes sociais, alegando questões como desinformação, manipulação política e falta de transparência em anúncios.
O laboratório chamado NetLab, fundado em 2013 pela professora Rose Marie Santini e desde então liderado por ela, é conhecido por gerar dados sobre desinformação e discurso de ódio nas redes sociais.
Como mostrado pela Gazeta do Povo, o grupo tem direcionamento político claro em várias de suas pesquisas e, frequentemente, mira figuras da direita. Em 2020, a líder do NetLab manifestou apoio a iniciativas do Sleeping Giants Brasil, formado por ativistas de extrema-esquerda dedicados a silenciar veículos e influenciadores ligados à direita.
Mas além disso, o laboratório liderado por Santini é conhecido por produzir dados que apoiam a regulação das redes sociais de uma forma bastante severa, com censura a conteúdos considerados “antidemocráticos”, em modelo defendido pelo governo federal. O livro recém-lançado tem origem em pesquisas feitas pelo “Observatório da Indústria da Desinformação”, criado em 2023 em parceria com Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A parceria com o governo Lula foi selada com uma transferência de R$ 2 milhões diretamente para o NetLab a título de “combate às fake news”. Na época do repasse, deputados federais governistas e de oposição travavam um duro embate em relação ao chamado “PL das Fake News (PL 2630)” – projeto de lei considerado prioritário para o governo Lula e alguns ministros do STF, que tentaram interferir diretamente na tramitação da proposta.
Segundo deputados de oposição, o objetivo do governo ao regular as redes é restringir discursos políticos nas plataformas – na prática, censurar conteúdos críticos ao governo federal e a excessos do STF e favoráveis a temas e políticos da direita.
O PL das Fake News, entretanto, acabou sendo arquivado em abril de 2024 pelo então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Em agosto de 2025, dias após o lançamento do livro do NetLab, Lula anunciou que o governo tentaria novamente avançar com a regulação das redes sociais, desta vez com um projeto de lei próprio que deve ser apresentado ainda neste ano. A discussão sobre o projeto de lei, no Congresso, deve ser municiada por dados e argumentos apresentados no livro da NetLab.
“[Vamos] juntar evidências de maneira sistemática e com rigor acadêmico e científico para auxiliar o Ministério da Justiça a avançar em ações e políticas públicas”, disse a fundadora do NetLab à Agência Brasil na época do repasse milionário do governo para o laboratório.
O que diz o livro lançado pela NetLab
O livro “Atingidos pelas Redes Sociais” menciona em parte problemas reais, como a atuação de criminosos na internet e práticas de publicidade online irregular, para fundamentar críticas a praticamente todas as plataformas de redes sociais. Com um verniz técnico, os pesquisadores do NetLab se posicionam claramente ao lado da regulação do ambiente digital.
“À medida que iniciativas internacionais avançam no sentido de implementar abordagens mais incisivas para responsabilizar as plataformas de redes sociais, cresce a urgência de que o Brasil acompanhe esse movimento e fortaleça suas respostas institucionais para mitigar os impactos negativos da publicidade digital e das fraudes online”, diz trecho do livro.
Apesar da alegada preocupação com a segurança do ambiente online, o material menciona diversas vezes o suposto mau uso das redes sociais ligado a questões políticas. Em um trecho, os autores criticam a defesa da liberdade de expressão no ambiente online. “Para sustentar o modelo atual, empresas e atores políticos frequentemente utilizam o argumento da ‘liberdade de expressão’ como estratégia para barrar iniciativas voltadas ao aumento da transparência”, diz. Em outro momento, o livro questiona o uso do termo “censura” por críticos da regulação das redes.
Dino e Moraes usaram dados do NetLab para justificar censura
O ano de 2023 foi determinante para a parceria entre o NetLab e a gestão Lula. Três meses antes de o governo aprovar o aporte de R$ 2 milhões no laboratório, houve uma série de episódios tensos sobre o PL das Fake News. O projeto de lei estava previsto para ser votado no dia 2 de maio. Próximo à data, algumas big techs, em especial o Google, passaram a se posicionar expondo o risco de censura a conteúdos legítimos no ambiente digital, caso a proposta fosse aprovada.
O Google manteve ao longo de todo o dia de votação uma notificação em seu site com link para um texto com o título “Como o PL 2630 pode piorar a sua internet”. O então ministro da Justiça de Lula (hoje membro do STF) Flávio Dino determinou a exclusão do informe e exigiu que a empresa de tecnologia publicasse uma contrapropaganda com mensagens favoráveis ao PL das Fake News sob pena de multa de R$ 1 milhão por hora de descumprimento.
Em paralelo à ação de Dino, o ministro do STF Alexandre de Moraes – outro contundente defensor da regulação das redes sociais – também agiu rápido e ordenou a remoção imediata de todos os anúncios que se posicionavam contrários ao PL das Fake News.
Em comum entre as ofensivas de Moraes e Dino contra as big techs esteve o embasamento para a censura: ambos citaram um relatório produzido pelo NetLab para sustentar as medidas arbitrárias. Na época, especialistas apontaram que o relatório era “pouco técnico e repleto de análises subjetivas”.
Outro lado
Em resposta a questionamentos enviados pela Gazeta do Povo, o NetLab negou relação entre o “Observatório da Indústria da Desinformação” e o PL 2630 e disse que a pesquisa foi conduzida de forma independente, sem interferência do governo
“Todo o desenho da pesquisa, a metodologia e as análises foram desenvolvidas de forma completamente independente pelo NetLab, sem nenhuma interferência do governo, de entidades privadas ou de qualquer outro tipo de agente externo”, diz.
Em relação às críticas direcionadas ao NetLab pelo alinhamento político-ideológico com pautas da esquerda, a nota diz que “estas insinuações, embora direito de quem as faz, encontram grande barreira nos resultados que publicamos”. “Em vários de nossos relatórios expomos o uso ilegal e fraudulento da imagem de personalidades historicamente ligadas ao espectro político de direita, como o Pastor Silas Malafaia e o Deputado Nikolas Ferreira, um dos maiores expoentes da direita brasileira”, afirma o grupo.
“O compromisso central do laboratório é com a análise rigorosa de dados e a divulgação de resultados que possam contribuir para a compreensão crítica do ecossistema informacional brasileiro”, finaliza a nota (leia na íntegra).
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