Irmãos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão foram presos neste domingo (24), suspeitos de serem os mandantes, junto com Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do RJ.
Por Lucas Von Seehausen, g1 Rio e TV Globo
24/03/2024 07h23 Atualizado há 33 minutos
Investigadores da Polícia Federal acreditam que a atuação de Marielle Franco contra um esquema de loteamentos de terra em áreas de milícia na Zona Oeste do Rio de Janeiro motivou a sua execução.
Neste domingo (24), os irmãos Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio de Janeiro, e Chiquinho Brazão, deputado federal (União-RJ), foram presos suspeitos de serem os mandantes do crime, que ocorreu em março de 2018. Domingos alega inocência. A defesa de Chiquinho não havia se posicionado até a última atualização desta reportagem (Leia, ao fim deste texto, as notas enviadas pelas defesas dos suspeitos).
Também foi preso o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do RJ. Ele foi nomeado para o cargo um dia antes da morte de Marielle. A PF ainda apura se há relação entre a data da nomeação e a execução do crime.
Segundo as investigações, Rivaldo colaborou com o clã Brazão, ajudou a arquitetar o crime e prometeu impunidade aos mandantes. O delegado nega as acusações. Seu advogado, Alexandre Dumas, diz que seu cliente não obstruiu as investigações.
Marielle Franco, em foto de novembro de 2017, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro — Foto: Mario Vasconcellos/Câmara Municipal do Rio de Janeiro/AFP/Arquivo
Irmãos Brazão
Domingos e Chiquinho Brazão são políticos com longa trajetória no estado. Historicamente, a família tem como reduto eleitoral a Zona Oeste do Rio, área dominada pela milícia (leia mais abaixo).
Segundo o relatório da investigação, ao monitorar Marielle, eles tiveram a indicação de que a então vereadora “pediu para a população não aderir a novos loteamentos situados em áreas de milícia”.
“Ela se opunha justamente a esse grupo que, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, queria regularizar terras para usá-las com fins comerciais, enquanto o grupo da vereadora queria utilizar essas terras para fins sociais, fins de moradia popular” explicou o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, neste domingo.
O relatório da PF diz que as investigações “apontam diversos indícios do envolvimento dos Brazão, em especial de Domingos, com atividades criminosas, incluindo-se nesse diapasão as relacionadas com milícias e ‘grilagem’ de terras, e, por fim, ficou delineada a divergência no campo político sobre questões de regularização fundiária e defesa do direito à moradia“.
A Procuradoria-Geral da República (PGR), em trecho citado por Alexandre de Moraes na ordem de prisão dos suspeitos, afirma que: “Quanto à motivação do crime em investigação, testemunhas ouvidas ao longo da investigação foram enfáticas ao apontar que a atuação política de Marielle passou a prejudicar os interesses dos irmãos Brazão no que diz respeito à exploração de áreas de milícias”.
A vereadora, prossegue a PGR, defendia que terras fossem destinadas à construção de moradias para atender à população mais carente, enquanto os irmãos Brazão tentavam viabilizar a exploração econômica dessas áreas.
Declarações colhidas durante a investigação, segundo os documentos, “dão conta de que os irmãos Brazão pretendiam a célere regularização de áreas situadas em bairros como Jacarepaguá, Osvaldo Cruz e Rio das Pedras, [na Zona Oeste do Rio] os quais estariam sob o controle de milícias por eles comandadas”.
Delação de Ronnie Lessa
O relatório da PF afirma que o ex-policial militar Ronnie Lessa, preso acusado de executar Marielle e seu motorista, Anderson Gomes, apontou em sua delação “como motivo [do crime] o fato de a vereadora Marielle Franco estar atrapalhando os interesses dos Irmãos, em especial, sua atuação junto a comunidades em Jacarepaguá, em sua maioria dominadas por milícias, onde se concentra relevante parcela da base eleitoral da família Brazão”.
A investigação aponta que, “sob a ótica dos autores mediatos, o crime foi cometido mediante motivação torpe, ante a repugnância dos irmãos Brazão em relação à atuação política de Marielle Franco e de seus correligionários em face dos seus interesses escusos”.
“Aqui impende destacar que esse cenário recrudesceu justamente no segundo semestre de 2017, atribuído pelo colaborador [Ronnie Lessa] como sendo a origem do planejamento da execução ora investigada, ocasião na qual ressaltamos a descontrolada reação de Chiquinho Brazão à atuação de Marielle na apertada votação do PLC n.º 174/2016“, diz a PF, sem detalhar essa reação (veja abaixo como foi a tramitação do Projeto de Lei Complementar citado).
Segundo a delação de Lessa, que faz parte das investigações, a discussão sobre o projeto de lei pode ter sido “o estopim para que fosse decretada a pena capital” de Marielle.
O projeto de lei
O Projeto de Lei Complementar (PLC) 174, de autoria de Chiquinho Brazão, foi apresentado em 8 de dezembro de 2016 e passou por comissões nos meses seguintes. O deputado era vereador na época.
O texto diz: “Permite a regularização de parcelamento do solo que contenha edificações unifamiliares e bifamiliares existentes e a posterior e imediata legalização da própria construção, situada nos bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena e Itanhangá, na XXIV R.A, nas condições que menciona, e dá outras providências”.
A primeira votação foi em 25 de maio de 2017, quando o texto foi aprovado em primeira discussão. Marielle e outros colegas do PSOL votaram contra.
Na semana seguinte, o texto recebeu um substitutivo, e a segunda votação foi adiada várias vezes, até voltar ao plenário em 22 de novembro de 2017, e ser aprovado. Vereadores do PSOL e outros parlamentares votaram contra o projeto.
Chiquinho Brazão discursou e agradeceu pelos votos da aprovação. Marielle não falou em plenário.
A redação final ficou pronta em 9 de março de 2018. Quatro dias depois – um dia antes da morte de Marielle –, o PLC tramita na ordem do dia e é aprovado.
O texto seguiu, então, para análise do então prefeito Marcelo Crivella, que vetou integralmente o projeto.
Em maio, a Câmara decidiu derrubar o veto e promulgar a lei 188/2018. Em 16 de setembro de 2019, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça considerou a lei inconstitucional, provocado pela Prefeitura do Rio e pela Procurador Geral do Estado (PGE).
Guedes explica projeto de lei de regularização fundiária que estava em andamento na Câmara na época do assassinato de Marielle
Também foi preso neste domingo Rivaldo Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil do Rio. Ele assumiu o cargo um dia antes do atentado contra a vereadora.
A mãe de Marielle, Marinete Silva, disse que a suspeita contra Barbosa foi uma surpresa, já que ele tinha uma relação de confiança com a família.
“A minha filha confiava nele e no trabalho dele. E ele falou que era questão de honra dele elucidar [a morte da vereadora]”, afirmou Marinete.
Marielle foi morta a tiros em 14 março de 2018, em uma rua na Zona Norte do Rio, juntamente com o motorista do carro onde ela estava, Anderson Gomes.
Chiquinho Brazão, Domingos Brazão e Rivaldo Barbosa, acusados de mandar matar Marielle Franco — Foto: Reprodução
Elo com a milícia
Informações da inteligência da polícia indicavam que os suspeitos já estavam em alerta nos últimos dias, após do Supremo Tribunal Federal (STF) homologar a delação premiada de Ronnie Lessa.
Lessa, ex-PM, está preso desde 2019, sob acusação de ser um dos executores do crime. O ex-PM deu detalhes de encontros com os suspeitos de encomendar o crime e indícios sobre as motivações.
Os mandantes, segundo Lessa, integram um grupo político poderoso no Rio com vários interesses em diversos setores do Estado.
Foro privilegiado
Como conselheiro do TCE-RJ, Domingos Brazão tem direito a foro especial, por isso teve a prisão preventiva expedida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O nome dele foi citado no processo desde o primeiro ano das investigações, em 2018, quando o caso ainda estava com a polícia do RJ. Ele chegou a prestar depoimento ainda naquele ano, negando qualquer envolvimento.
O irmão de Domingos, João Francisco Inácio Brazão (União Brasil), o Chiquinho Brazão, é empresário de postos de gasolina. Foi vereador na Câmara Municipal do Rio pelo MDB por 12 anos, inclusive durante os 2 primeiros anos de mandato de Marielle.
Ao contrário do irmão, Chiquinho nunca havia sido citado no caso Marielle. Como deputado federal, ele também tem foro privilegiado. Só pode ser julgado diretamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Por isso é que a investigação do caso Marielle, que começou na polícia civil do RJ e foi federalizada em fevereiro de 2023, chegou recentemente ao STF.
E coube ao relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, homologar a delação de Ronnie Lessa, que abriu caminho para as prisões.
Suspeitos dentro da polícia
Preso neste domingo, Rivaldo Barbosa assumiu o comando da polícia civil do RJ um dia antes do assassinato e conhecia Marielle.
“Além dele confiar, a Marielle garantiu a entrada do doutor Rivaldo no Complexo da Maré, depois de uma chacina, para ele entrar e sair com a integridade física garantida”, disse a mãe da vereadora neste domingo.
A mulher dele também foi alvo de busca e apreensão pela PF neste domingo e teve bens bloqueados.
Rivaldo Barbosa, então chefe de Polícia Civil em reunião com os pais de Marielle Franco e o então deputado estadual Marcelo Freixo (dir) — Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil/Arquivo
Durante cinco anos, a investigação dos assassinatos de Marielle e Anderson esteve centralizada no estado, que nunca apontou quem foram os mandantes.
Em fevereiro de 2023, o então ministro da Justiça Flávio Dino determinou à PF a abertura de um inquérito sobre o caso. O objetivo, segundo o governo, era ampliar a colaboração nas investigações.
Em dezembro daquele ano, Dino afirmou que caso seria solucionado “em breve”. Na reta final, devido ao envolvimento de autoridade com foro privilegiado entre os suspeitos, caso de Chiquinho Brazão, a investigação chegou ao STF.
Além das prisões deste domingo, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, determinou também o afastamento das funções públicas do delegado Giniton Lages e o comissário Marco Antônio de Barros Pinto. Ambos atuavam na Delegacia de Homicídios do Rio na época do crime.
Lages chegou a escrever um livro sobre os bastidores da investigação da polícia sobre os assassinatos.