*Dar e Receber na caminhada Cristã*
Sentado nos bancos de madeira da Igreja, Gabriel Louess refletia profundamente sobre as palavras que ouvira no sermão: “Dar e receber. São duas coisas importantes na Igreja, pois você dá um pouco de si no trabalho, no serviço ao Senhor e recebe dele suas graças”. Essas palavras ecoavam em sua mente como uma verdade antiga, carregada de sabedoria ancestral. Ele, um católico devoto, sentia-se impelido a entender o que significava essa relação entre o ato de dar e a promessa de receber. Seria o dízimo uma expressão tangível dessa realidade, ou algo mais profundo envolvia a natureza da doação e da graça?
Enquanto observava o altar decorado com simplicidade e beleza, sentia que havia uma dualidade inerente à existência humana. Somos, por natureza, seres que amam o desconhecido, que buscam o sagrado em tudo. O mistério da fé sempre o fascinara. Havia algo de irresistível em se entregar ao que não se pode compreender completamente, em amar aquilo que está além da razão. E na Igreja, ele encontrava essa tensão: entre o visível e o invisível, o terreno e o divino.
O dízimo, pensava ele, era apenas um dos muitos gestos concretos de entrega. Contudo, sua profundidade transcende o ato de doar parte dos próprios bens materiais. O verdadeiro dízimo envolve o oferecimento de si, do tempo, das habilidades, dos talentos, num compromisso sincero com o serviço ao Reino de Deus. Quando se dá, não é uma mera transação financeira, mas uma expressão de liberdade, de escolha. E era precisamente essa liberdade que Gabriel buscava entender: até que ponto o ser humano é livre ao doar? Qual é o papel do desejo de servir na configuração da vida cristã?
Certa vez, em conversa com o padre Antônio Eykill, Gabriel abriu seu coração:
— Padre, eu me sinto dividido. Há o desejo de viver intensamente minha fé e servir à Igreja, mas também as responsabilidades da vida cotidiana, o trabalho, as pressões do mundo moderno. Como equilibrar essas realidades?
O padre, homem de poucas palavras, permaneceu em silêncio por alguns momentos. Era um daqueles silêncios profundos, que falam mais do que muitos discursos. Finalmente, disse:
— A liberdade de um cristão não está apenas nas grandes escolhas, mas nas pequenas decisões diárias. Quando você doa ao Senhor, seja através do dízimo ou de suas ações, você participa da liberdade que vem de viver para algo maior que si mesmo. O serviço à Igreja, Gabriel, não se limita a uma função específica, mas a um estado de espírito. É um modo de ser no mundo, mas não do mundo.
Essas palavras ficaram com Gabriel. A liberdade de doar, de servir, de escolher o caminho do trabalho na Igreja era uma das manifestações mais belas de sua fé. Não era preciso abandonar as ocupações cotidianas para ser um bom cristão, mas, sim, incorporar a simplicidade e a beleza da vida religiosa em tudo o que fazia. O dízimo não era o fim, mas o início de uma jornada interior em busca de um significado mais profundo.
Com o tempo, Gabriel começou a compreender que o ato de dar e receber na Igreja reflete a relação entre o cristão e o sagrado. O trabalho voluntário, o dízimo, o serviço ao próximo – tudo isso são expressões da busca de sentido na vida, de um desejo de se conectar ao divino. Ao doar, Gabriel sentia que transcendia a si mesmo, tocava o desconhecido, aquele mistério que só a fé pode abraçar.
Num outro encontro, ele comentou com o padre:
— Começo a perceber que o serviço ao Senhor é um caminho de autodescoberta. Quanto mais dou de mim, mais parece que recebo em retorno, não em riquezas materiais, mas em paz, em entendimento, em graça.
O padre sorriu, concordando:
— Assim são as graças de Deus, Gabriel. Elas não são medidas pelas coisas que podemos contar, mas pela profundidade de nosso relacionamento com o Criador. O dízimo, como você percebeu, é uma expressão de amor e de compromisso, um símbolo de nossa dependência da providência divina. Deus não precisa de nosso dinheiro; Ele deseja nosso coração.
Gabriel entendeu que a beleza da vida religiosa reside na simplicidade de suas demandas e na grandeza de suas promessas. O trabalho na Igreja – seja na catequese, na pastoral, no serviço litúrgico ou na contribuição financeira – é um chamado para viver em plenitude a liberdade dos filhos de Deus. Não é uma obrigação imposta, mas uma escolha amorosa.
Ao deixar a igreja naquele dia, Gabriel sentiu o peso da responsabilidade, mas também a leveza da graça. Em silêncio, caminhou pelas ruas da cidade, percebendo a vastidão do mundo ao seu redor. O barulho dos carros, das pessoas, das construções em andamento… Tudo isso contrastava com a paz que encontrara na casa de Deus. Era o silêncio frente aos acontecimentos da vida que o fortalecia, que o fazia perceber que, no fim, dar e receber são dois lados da mesma moeda na jornada cristã.
Afinal, a vida é uma contínua dança entre o conhecido e o desconhecido, entre o humano e o divino, e o dízimo – como todas as formas de serviço – é apenas um lembrete de que, quando se dá com amor, sempre se recebe em graça.
Padre Joacir d’Abadia, filósofo e escritor
Segue lá no Instagram: https://www.instagram.com/padrejoacirdabadia/
Autor: padrejoacirdabadia
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