STF decide descriminalizar porte de maconha para uso pessoal; ministros ainda vão estabelecer quantidade
Maioria entendeu que porte de maconha para uso pessoal deve ser um ilícito administrativo, e não penal. Ministros ainda não definiram parâmetro para separar usuário de traficante.
Por Fernanda Vivas, Márcio Falcão, TV Globo — Brasília
25/06/2024 14h42 Atualizado há uma hora
O Supremo Tribunal Federal (STF) já tem maioria para descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. A sessão desta terça-feira (25) foi interrompida, e o resultado deve ser proclamado em uma sessão posterior.
Só depois da proclamação do resultado é que a decisão passa a ter efeitos. A determinação, vale frisar, não representa que o Supremo esteja legalizando ou liberando o uso de entorpecentes.
Votaram a favor da descriminalização os ministros:
Gilmar Mendes
Luís Roberto Barroso
Rosa Weber (aposentada)
Cármen Lúcia
Alexandre de Moraes
Edson Fachin
Sendo que Fux e Toffoli entenderam que o artigo da Lei de Drogas que fala sobre uso pessoal é constitucional. Ou seja, que o artigo já não prevê a criminalização. Os outros seis entenderam que o artigo é inconstitucional. Ou seja, que o artigo hoje prevê criminalização e não deveria prever.
Votaram contra a descriminalização (ou seja, para manter o porte para uso pessoal como crime):
Cristiano Zanin
Nunes Marques
André Mendonça
Como foi a sessão desta terça
Logo no início da sessão, o ministro Dias Toffoli pediu a palavra para apresentar um complemento do voto da semana passada e afirmou que havia “seis votos pela descriminalização”.
“O voto é claro no sentido de que nenhum usuário de nenhuma droga pode ser criminalizado”, declarou o magistrado.
Com isso, afirmou que o voto dele se soma aos outros cinco ministros que já haviam se manifestado a favor de descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal.
O ministro voltou a defender que é constitucional o artigo da Lei de Drogas que trata da conduta de portar substâncias entorpecentes para consumo próprio (entenda a legislação mais abaixo).
A preocupação dele é de que, ao conferir interpretação ao porte de maconha, que se entenda que os usuários de outros tipos de drogas cometem crime.
No entanto, Toffoli concluiu que o Supremo precisa evoluir no seu entendimento e passar a considerar que a conduta é um ato ilícito administrativo que, se cometido, sujeita a pessoa às sanções que já estão na lei.
Ou seja, o ministro entende que o ato é válido e não tem mais efeitos penais. E que o Supremo não precisa conferir uma intepretação ao artigo, já que o próprio legislador, ao não prever pena, teria optado pela descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.
Toffoli considera que, apesar de casos deste tipo ainda permanecerem na Justiça criminal, isso não traz efeitos penais para a conduta do porte de drogas.
Quanto à diferenciação entre usuários e traficantes, o ministro considerou que a distinção baseada apenas na quantidade pode não ser suficiente para tratar da questão.
Ele, portanto, não fixa a quantidade. Por isso, votou para que o Congresso Nacional estabeleça as medidas para mudar a política de repressão ao tráfico de drogas e ao tratamento dos usuários com enfoque em saúde e recuperação.
Política de drogas
Primeiro a votar nesta terça, o ministro Luiz Fux considerou que não cabe ao Supremo definir se o porte de maconha é crime. No entanto, no entendimento dele, trata-se de um ilícito administrativo.
Segundo ele, a definição está dentro de uma política de drogas, feita pelo legislador. E que a definição da diferença entre traficante e usuário deve ser feita pela Anvisa. Fux também afirmou que há dissenso científico e moral.
“Considero, por essa razão, que devo ter no meu voto o dever de contenção e de postura deferente aos órgãos de técnica e órgãos científicos detentores de saberes, que tomem para si a tarefa de fixar quais são as substâncias e as quantidades que os indivíduos devem ser autorizados a adquirir, plantar para consumo próprio”, disse.
Considerou que a previsão do art. 28 é constitucional, e que as sanções previstas são razoáveis e proporcionais.
“Uma declaração de inconstitucionalidade do art. 28 da lei vai deixar de aplicar sanções super ponderadas, proporcionais, razoáveis”, argumentou.
“Sem regulação, sem atuação do Poder Legislativo, a liberação do uso da maconha vai trazer muito mais problema do que solução”, seguiu.
A ministra Cármen Lúcia votou com a maioria, para aplicar interpretação ao artigo e considerar que é um ato ilícito administrativo e não penal. Ela entende que é preciso diferenciar traficante de usuário, e que cabe ao Legislativo estabelecer os critérios para essa distinção. Mas que, até isso ocorrer, cabe ao STF fixar ao critério.
Não é ‘liberou geral’
Relator do caso, Gilmar Mendes pediu a palavra durante o julgamento para frisar que o entendimento não é um “liberou geral”.
A Corte não legalizou ou liberou o consumo de entorpecentes. Ou seja, o uso de drogas, mesmo que individual, apesar de não ser crime, permanecerá como ato ilícito, ou seja, contrário a lei.
Com isso, quem agir desta forma ainda estará sujeito às sanções que já estão na legislação, incluindo:
advertência sobre os efeitos das drogas; e
medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
O caso começou a ser analisado em 2015 e, ao longo deste período, foi interrompido por quatro pedidos mais tempo para análise do texto.
Validade da Lei de Drogas
O processo envolve a discussão sobre a validade de um trecho da Lei de Drogas, de 2006. A lei estabelece, em seu artigo 28, que é crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal.
No entanto, a legislação não fixa uma pena de prisão para a conduta, mas sim sanções como advertência, prestação de serviços à comunidade e aplicação de medidas educativas (estas duas últimas, pelo prazo máximo de 5 meses).
Ou seja, embora seja um delito, a prática não leva o acusado para prisão.
A norma não diz quais são as substâncias classificadas como droga – essa informação é detalhada em um regulamento do Ministério da Saúde.
Além disso, determina que cabe ao juiz avaliar, no caso concreto, se o entorpecente é para uso individual.
Para isso, o magistrado terá de levar em conta os seguintes requisitos: a natureza e a quantidade da substância apreendida, o local e as circunstâncias da apreensão, as circunstâncias sociais e pessoais da pessoa que portava o produto, além de suas condutas e antecedentes.
Ou seja, não há um critério específico de quantidades estabelecido em lei. Com isso, a avaliação fica a cargo da Justiça.
A lei de 2006 substituiu a regra que vigorava desde 1976. Na antiga Lei de Drogas, carregar o produto para uso individual era crime punido com prisão – detenção de 6 meses a dois anos, além de multa.
Diferenças entre descriminalização, despenalização e legalização
Despenalizar significa substituir uma pena de prisão (que restringe a liberdade) por punições de outra natureza (restrições de direitos, por exemplo).
Legalizar é estabelecer uma série de leis que permitem e regulamentam uma conduta. Estas normas organizam a atividade e estabelecem suas condições e restrições – regras de produção, venda, por exemplo. Também pune quem descumpre o que for definido. Na prática, é autorizar por meio de uma regra.
Já descriminalizar consiste em deixar de considerar uma ação como crime. Ou seja, em âmbito penal, a punição deixa de existir. Mas é possível ainda aplicar sanções administrativas ou civis.
Caso concreto
O Supremo foi provocado a se manifestar a partir de um recurso que chegou à Corte em 2011. O caso envolve a condenação a 2 meses de prestação de serviços à comunidade de um homem que portava 3g de maconha dentro do centro de detenção provisória de Diadema (SP).
A Defensoria Pública questionou decisão da Justiça de São Paulo, que manteve o homem preso. Entre outros pontos, a defensoria diz que a criminalização do porte individual fere o direito à liberdade e à privacidade.
Estes direitos fundamentais estão previstos na Constituição. Como a matéria envolve a Carta Magna, cabe ao Supremo se pronunciar.