Um guia sobre a censura e a perseguição contra a direita no Judiciário brasileiro
Brasília
19/04/2024 21:00
No Brasil, a liberdade de expressão da direita enfrenta severas restrições por parte do Judiciário, evidenciadas recentemente pelo Twitter Files Brasil e pelo documento que o Congresso americano expôs no início desta semana sobre o tema.
Desde 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu diversos inquéritos com caráter sigiloso, alegadamente para investigar “fake news” e ataques contra seus membros e a democracia, silenciando dissidências e consolidando a capacidade do Judiciário de agir como acusador e julgador ao mesmo tempo.
A ideia de que os princípios constitucionais estão sendo violados de forma contumaz pelo Judiciário já é admitida até mesmo por alguns formadores de opinião com viés de esquerda, que, embora não sofram o mesmo tipo de perseguição, enxergam uma ameaça grave à liberdade de expressão.
Jornalistas e veículos de comunicação que questionam as decisões do Supremo têm sofrido perseguição judicial e censura; parlamentares são incluídos em inquéritos pelo simples fato de terem expressado opiniões contra o STF – em dois casos, já foram condenados a prisão; plataformas de redes sociais têm se retirado do país devido a pressões para censurar conteúdos.
O desrespeito ao devido processo legal contra cidadãos de direita também se vê no julgamento de manifestantes do 8 de janeiro, que recebem condenações severas sem a comprovação de sua participação em atos violentos ou golpistas.
O guia abaixo resume o quadro de ameaças à liberdade de expressão e de perseguição de um lado político por parte do Judiciário brasileiro.
O artigo 43, o inquérito do fim do mundo, e o labirinto jurídico de inquéritos
Em março de 2019, o Supremo Tribunal Federal anunciou a abertura de uma investigação sigilosa para apurar “fake news” e “ataques” contra ministros do STF – o inquérito das fake news, chamado pelos críticos de “inquérito do fim do mundo”.
A Corte justificou a abertura desse inquérito com um artifício inusitado: usou uma regra do regimento interno do STF, o artigo 43, que permite à própria Corte a abertura de inquéritos em caso de ataques às dependências físicas do tribunal.
Toda a internet passou a ser considerada dependência física do STF. Com essa manobra, o tribunal trouxe para si casos relacionados a críticas contra seus ministros nas redes, assumindo assim os papéis de juiz, vítima e acusador simultaneamente nesses casos.
Tipicamente, casos envolvendo ofensas ou difamações contra os ministros deveriam ser encaminhados a tribunais comuns.
Cinco anos depois, o inquérito ainda está aberto, e dele já derivaram vários outros inquéritos, também sem data definida de conclusão. Geralmente, investigações do tipo devem ter duração breve.
O inquérito não indica um fato específico a ser investigado, o que contraria a Constituição e torna seu alcance praticamente ilimitado; além disso, viola o sistema acusatório, que exige separação entre o órgão com função de acusar e a autoridade com competência para julgar.
Mantém-se sigilo da grande maioria das decisões e das fundamentações de decisões dos diversos inquéritos, o que impede que os envolvidos saibam por que estão sendo investigados. Advogados reclamam há anos da falta de acesso à íntegra dos autos dos processos, que se tornaram um labirinto jurídico típico do sistema judicial de ditaduras.
Jornalistas e órgãos de imprensa são censurados e perseguidos quando criticam a Corte, o sistema eleitoral e Lula
Em abril de 2019, Moraes ordenou a retirada de uma reportagem da revista Crusoé e do site O Antagonista, sob ameaça de multa diária de R$ 100 mil. A matéria colocava sob suspeita o ministro do STF Dias Toffoli em um caso de corrupção envolvendo o empresário Marcelo Odebrecht. Essa foi a primeira de uma série de censuras praticadas contra veículos de comunicação, não só no inquérito do fim do mundo, mas em diversas investigações derivadas do inquérito. Algumas delas:
Em 2020, o canal Terça Livre, que criticava de forma veemente os ministros do STF, foi banido das redes e incluído no inquérito das fake news. Dias depois, o jornalista Allan dos Santos se autoexilou nos Estados Unidos, como forma de precaução contra a perseguição judicial.
No começo do mesmo ano, Moraes já havia ordenado a prisão de outro jornalista, Oswaldo Eustáquio, no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos, instaurado após manifestações de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro consideradas “antidemocráticas”.
Nas eleições de 2022, após Moraes assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, meros questionamentos ao sistema eleitoral brasileiro, especialmente em relação às urnas eletrônicas, mesmo quando feitos de forma sóbria, foram censurados indiscriminadamente.
Um dos alvos da censura eleitoral foi a própria Gazeta do Povo, que teve removido pelo Tribunal Superior Eleitoral um post em que citava o apoio do presidente Lula ao ditador da Nicarágua, Daniel Ortega – uma verdade que foi classificada como “fake news“.
O TSE também atendeu a um pedido da campanha de Lula e abriu uma ação para investigar o presidente da emissora Jovem Pan por suposto uso indevido dos meios de comunicação. A emissora, que era uma das poucas a abrir espaço para comentaristas simpáticos ao ex-presidente Jair Bolsonaro, mudou sua linha editorial após a pressão da Justiça.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem praticado censura contra cidadãos de direita.| Foto: STF
Parlamentares de direita são censurados, perseguidos e presos
Além de jornalistas, parlamentares de direita foram censurados, perseguidos e presos pelo STF e pelo TSE nos últimos anos.
No começo de 2021, após um ataque verbal pesado contra ministros do STF publicado nas redes, o deputado Daniel Silveira foi preso preventivamente a mando de Moraes. O vídeo foi removido da internet. A alegação para a prisão e a remoção do conteúdo foi que Silveira estava atacando o Estado Democrático de Direito. Silveira cumpre hoje uma pena de 8 anos e 9 meses por causa do vídeo publicado.
O STF criou em 2021 mais um inquérito, o das milícias digitais, para apurar uma suposta organização criminosa que agiria no mundo virtual fazendo ataques à Corte e à democracia. Nesse inquérito, ordenou a prisão preventiva do ex-deputado Roberto Jefferson, um crítico incisivo da Corte.
Os inquéritos incluem boa parte dos principais políticos e parlamentares da direita brasileira, como o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, além de nomes como Filipe Barros, Luiz Phillipe de Orleans e Bragança, Bia Kicis e Carla Zambelli.
Em muitos casos, os parlamentares não sabem o motivo de sua inclusão nos inquéritos.
O Judiciário também emitiu decisões contra parlamentares, o que gerou suspeita de perseguição política, como no caso do ex-deputado Deltan Dallagnol, um dos grandes protagonistas da Operação Lava Jato, que teve seu mandato cassado como parlamentar por uma peculiar manobra jurídica relacionada a uma questão administrativa.
Empresários que se manifestam contra o STF e o TSE são perseguidos
Empresários que apoiam financeiramente manifestações de direita ou que simplesmente se declaram em redes sociais e conversas particulares de forma crítica ao STF passam a ser investigados pelo Judiciário.
Em 2020, empresários que simplesmente financiaram uma manifestação da direita foram incluídos no “núcleo da monetização” de uma investigação do STF contra uma alegada organização “antidemocrática”.
Em 2022, Moraes autorizou uma operação policial contra empresários que meramente conversavam por WhatsApp manifestando indignação contra a situação política do Brasil, entre eles Luciano Hang, das lojas Havan, Afrânio Barreira Filho, do grupo Coco Bambu, e Ivan Wrobel, da construtora W3. Eles teriam defendido um golpe de Estado em conversa privada por WhatsApp, o que, para Moraes, justificaria sua prisão.
Em abril de 2024, o empresário sul-africano radicado nos EUA Elon Musk foi incluído como investigado no inquérito das milícias digitais.
Redes sociais são perseguidas; algumas saem do país diante da censura
Como mostrou o Twitter Files Brasil, o Judiciário brasileiro tem assediado redes sociais com pedidos de censura e ameaça de multas exorbitantes. Algumas redes cumprem as decisões; outras têm decidido sair do país.
O Rumble se retirou do Brasil em dezembro de 2023, em protesto contra a censura e pressão governamental. A plataforma de vídeos já tinha cumprido ordens do STF removendo conteúdos.
Em janeiro de 2024, a rede social Locals anunciou a saída do Brasil após pressões do STF para a remoção de perfis.
O Telegram foi suspenso por Moraes no Brasil em 2022, mas conseguiu reverter a decisão do STF ao cumprir com exigências judiciais.
Manifestantes que não praticaram violência são condenados a mais de uma década de prisão
Protestos da direita ocorridos em Brasília no 8 de janeiro de 2023, após a eleição de Lula em 2022, desembocaram em atos violentos, com manifestantes depredando prédios públicos. Moraes comanda também um inquérito relacionado a esses atos.
Muitas das pessoas que estavam nas manifestações não praticaram atos violentos e nem sequer sabiam que o protesto resultaria em quebra-quebra. Ainda assim, milhares dessas pessoas foram presas preventivamente sem respeito ao devido processo legal, e centenas estão sendo condenadas a prisões de mais de dez anos.
Cleriston Pereira da Cunha morreu dentro do presídio em novembro de 2023 após um mal súbito relacionado a um problema de saúde. Sua morte ocorreu três meses depois de Cleriston obter parecer favorável da PGR para sua liberdade provisória. O documento não tinha sido apreciado por Moraes.
Iraci Nagoshi, uma dona de casa de 71 anos que achava que a manifestação seria pacífica e não participou dos atos violentos, foi condenada a 14 anos de prisão por Moraes.
Uma faxineira de 38 anos, mãe de dois filhos – um de nove anos e outro de 19 – foi presa segurando um terço e uma bíblia enquanto se protegia de bombas de gás durante os atos de 8 de janeiro, sem provas de que tenha praticado atos violentos. Ela foi condenada por Moraes a 17 anos de prisão.
Aproximadamente 100 pessoas já foram condenadas, muitas delas em situações semelhantes às dos exemplos acima. As penas variam de 12 a 17 anos de prisão.
O STF alega que os manifestantes cometeram o crime de “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”. Apesar da depredação dos prédios públicos, nenhum deles estava armado, e não há nenhuma comprovação de que eles tenham se organizado para derrubar o poder constituído.
A tese do golpe também serve para a elaboração de narrativas sem nexo usadas para perseguir personalidades da direita, como no caso recente de Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro, preso há quase dois meses sob a alegação de que ele teria tentado fugir do país em dezembro de 2022. Martins está preso em razão de uma viagem que nunca existiu. Há suspeitas de que a manutenção da prisão de Martins seja uma chantagem com o fim de obter uma delação.
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